quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sutjeska

O sinal tá verde, mas todos os carros estão parados. 
Não sei o que acontece, não sei o que aconteceu. 
Acordei e estava tudo assim. 
Eu não consigo mais ver além. 
Tudo está construído e nada parece inteiro. 
Eu não sou forte o suficiente pra segurar a nós dois, nunca segurei a mim mesma. 
Preciso nos salvar, preciso te segurar, mas me sinto por um triz. 
Quanto mais as coisas deixam de ser abstratas mais eu quero morrer.
Quero suficiência, quero alienação. 
Eu não nasci pra ser assim.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Eu escolheria o fim do mundo,
mudaria todas as cores,
mancharia todos os meus dedos,
andaria descalça pelo chão quente,
ficaria sozinha num mar de decibéis,
esqueceria a psicóloga,
comeria sushi,
usaria shorts mais compridos,
se um dia você acreditasse.

domingo, 17 de novembro de 2013

Adiós

    Tô te esperando aqui, mas não é por nada, não. Tenho certeza de que você já veio várias vezes e não encontrou nada. Nenhum resquício do que eu costumava fazer, ninguém conhecido. Sei que esse café era o "nosso lugar", mas, aqui, você só vai ver marcas de alguém que eu não sou mais.
    Sentávamos sempre na mesma mesa e pedíamos sempre a mesma coisa. Eu nunca entendi a sua obsessão por vodca. Acredito que nem goste de verdade, como muita coisa que eu nunca acreditei que você fosse. Hoje, não estou sentada naquela mesa. Escolhi um lugar diferente, bem iluminado e com vista para a avenida. Pedi um chá, diferente do refrigerante de antes e hoje vejo que mudaram os garçons daqui. Vamos ver se você ainda vai reclamar do tempo de atendimento.
    Acontece que, quando eu te chamei hoje, você ficou extremamente surpreso. Disse que não me encontrava mais em lugar nenhum, e que havia algo diferente na minha voz. É verdade, Sophia, é a mais pura verdade. Eu não ando mais por lugar nenhum. Agora escolho sempre meu caminho, sabe, escolho a dedo.
    Precisei de acompanhamento psicológico pra entender que a culpa não foi minha. Sabe, de todo aquele tempo, toda aquela culpa que eu acumulei... Você sabe de tudo. Era você, lá. Éramos nós dois. Você sabe do que estou falando. A psicóloga não tirou os olhos de mim.

- Por que você se culpa tanto?
- Hoje eu tenho uma nova pessoa e... não existe problema algum. Acho que ajo igual e não existem problemas. Tá tudo bem e já fazem quase 3 meses.
- Por que você se culpa?
- Eu não sei.
- Você não tem culpa.

    Sendo assim, me abstraio de tudo. Você estava lá, me viu nutrir uma paixão por outra pessoa. Você sabia. Mesmo que eu não soubesse que você sabia, você estava lá e me assistiu do início ao fim. Me assistiu até me ver no chão, sozinha, pra falar que já sabia de tudo e que era tudo culpa minha. Por que levei todo esse fardo por tanto tempo? Bom, esse peso não carrego mais. Se quiser lembrar disto, está tudo em suas mãos, Sophia.
    O que? Qual o problema do meu chá? Amargue-se com sua vodca, do meu chá cuido eu. Não, Sophia, eu não sofro mais, não por você. Eu lhe disse que, por ti, não derramaria lágrima alguma. Nunca mais. Eu chorava em seus braços, me escondia e chorava, soluçava, desejava morrer. Tive um flash de consciência e prometi, jurei que de mim você não tirava mais nada.
    Não quero nada meu que ficou em sua casa. Pode jogar tudo fora, vender, doar. Não me importo. Acho que nada daquilo foi realmente meu. Já as suas coisas, que estão na minha, deixo aqui, em cima dessa mesa. Depois de acordar do seu porre você vai ver tudo e eu desejo que se lembre de mim. Mas não lembre demais. Não te chamei aqui pra reviver algum passado. Mentira. Reviva tudo. Reviva e segure toda a culpa que você sempre atribuiu a mim. Abrace-a. Sinta seu cheiro. Ela é sua. É meu presente para você.
    Estou vivendo tão solta que acabei esquecendo a hora. Não, não. Eu não vou ficar. Não, Sophia, não quero te ouvir. Não quero saber dos seus planos, suas intenções. Não quero nada daquilo que não foi meu. Eu até te pediria desculpas pelo tempo em que te enganei e te feri, mas... Quem vai vir pedir perdão por tudo o que eu chorei? Ninguém vai, porque você nunca vai sair desse seu pedestal. Nunca vai lembrar de sair da sua redoma e enxergar o mundo. Uma coisa eu digo a você: se, naquele último dia, você tivesse escolhido estar junto a mim ao invés de sair com os seus amigos e observar seus outros amores, e ficasse ao meu lado... Bem. Eu não vou imaginar. Foi um caminho que a vida não escolheu pra mim e eu me sinto aliviada. Muito.
    Pode deixar que eu pago a minha conta. Adeus, Sophia, eu encontrei alguém melhor que você.

domingo, 13 de outubro de 2013

sa-do/ma-so

    Ah, meu bem, este é um fato consumado: se você soltar minha mão, eu caio na avenida, ralo os joelhos, fico no chão e de lá não me levanto. Vou derreter que nem gelatina de morango. Parece vermelha e consistente, mas basta alguns minutos desprotegida do calor pra virar um líquido sem graça e doce demais.
    Quando falei que te odiava era porque te odiava de verdade. E ainda odeio. Não sei mais ficar sozinha, não sei planejar um futuro só, não sei me imaginar por aí sozinha. Perdi minha independência, minha vontade de ser do mundo e a culpa é toda sua. Vista-a e carregue-a por cima dos seus sinais.
    E, como todo fato consumado, ele carrega uma dor. E ela tá sempre doendo uma dor forte e bem audível (é daquelas que gritam, pra você não esquecer). Quando começo a pensar que ela tá aliviando, vou lá e arranco a casquinha, pra ver se volta a doer. E volta.
    Qualquer dia, vou abrir essas tuas cicatrizes e procurar a minha dor, que deve ter escorrido de ti e se embrenhado na minha carne. Se só eu me sentir assim, vou abrir uma ferida maior, que vai cobrir todas as outras, pra não te fazer esquecer mais. Sim, eu quero te ver sofrer. Quero ver o teu sofrimento igual ao meu, pra te fazer sentir assim, perdido, como eu sinto todos os dias.
    E vou me costurar na tua pele, vou fazer sangrar, faço teus fios virarem cachos, tua pele ficar branca como a minha, teu sorriso o meu... Mas isso eu já te falei.
    Na verdade, quem é que vai se importar com tudo isso? Já viemos todos (eu e você) tão mastigados que uma dor a menos será mais notada que uma dor a mais.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Elocubrações

     Não era um outro dia qualquer. Era uma terça-feira. Uma tediosa e normalmente absurda terça-feira. Não um domingo, uma terça. Nada me interessou mais do que sair andando e sentindo o sol bater em minha pele, então fui.Você não sabe onde moro. Aqui, o sol não agrada a ninguém. Ele queima, racha, machuca, destrói.
     Andei e fui diminuindo o passo até perceber que já estava à beira do abismo. Eu disse "abismo"? Quis dizer "asilo". Nem sempre soube do que se tratava aquele lugar. A princípio, não era nada mais do que um lugar com paredes amarelas e um muro baixo, onde eu sempre via pessoas solitárias. Num dia qualquer, já em casa, pesquisei sobre aquela rua e descobri que era um asilo. Saber disso me chocou. Quando percebi, passei a fazer mais silêncio ao passar por lá, como se meus passos fossem suficientes para perturbar a apatia do lugar.
     Pelas minhas andanças, percebi um velhinho sempre em pé, na mesma esquina. Cabelos brancos, um pouco careca, barba sempre por fazer, calção de seda, chinelos e um boné. Não lembro de um dia em que ele não estava lá. Hoje, ele não estava. Pela primeira vez, em algum tempo, não passei por ele. Se passei, estava distraída, mas duvido que esse seja o caso. Ele não aproveitou o mesmo sol que eu. Apesar de saber que sua pele não precisava sofrer mais do que já havia sofrido. Me pergunto se eu deveria voltar lá e esperá-lo. Perguntar a alguém se ele está bem. Pensando assim, acho que nunca esteve. Acontece que eu não vou voltar lá. Não hoje, e talvez amanhã isso perca completamente a importância, porque amanhã não será terça-feira.
     Alguns passos depois, à porta do asilo, vi uma velhinha sentada. Ela olhava para mim, olhava como quem observava, e eu apenas passei por ela. Ela estava sentada de frente para a avenida, à sombra de uma árvore, daquelas que deixam cair algum tipo de fruto que parece uma concha fechada. Ah, o nome é Amendoeira. (Tenho certeza que você já viu algumas por aí.) Logo após passar pela velhinha, tive vontade de voltar lá. Ela parecia tão triste quanto eu. Um pouco menos amedrontada, mas triste.Talvez, tudo o que ela precisasse era conversar. Talvez, tudo o que eu precisasse era ouvi-la, mas não voltei, apenas segui.
     Quando atravessei a rua, acabei pisando em uma poça. Água. No chão. Você não sabe onde eu moro. Isso deveria ser crime. Acontece que existem dezenas de pessoas aqui e ninguém parece se importar.
     Lembrei que prometi que não sairia de lá, era importante. Só que, depois de pensar tudo isso, não vou mais voltar.

sábado, 21 de setembro de 2013

Só mortos sairemos daqui.

Vem cá, deixa eu te ninar.
Não foge, que quando era eu, você me segurou pelo braço, me girou e pediu que eu apenas abrisse os olhos. Que eu apenas visse tudo o que estava ao meu redor.
Não chora.
Podemos juntar nossos medos, misturar tudo e fazer um doce, como os seus. O que nos adoçaria mais do que nós mesmos?
Agora, eu digo: abra seus olhos, meu bem, encare os fatos. Conforme-se com o peso de mim que você carregará para sempre. Acomode-se e conforte-se. Essa é a nossa sina, você em mim e eu em você. Urgentemente, desesperadamente. Apenas assim.
Pega na minha mão, vamos ver o abismo. Não agora, preciso te deixar dormir. Você corre tanto, que um dia qualquer vai me alcançar antes mesmo que eu consiga chegar. Por isso está sempre precisando de afago, de colo, de descanso. E eu, sempre falando demais, acabo por não entender que tudo o que você espera de mim é o silêncio que eu tanto procurei. Vai, pode dormir. Acaricio seu cabelo e você dorme. Essa é a ordem.
Enquanto você acorda, vejo seus olhos e agradeço por não precisar me perder em lugar nenhum, além deles. E acordas assim, cantando o nosso estranho encontro, nossas estranhas circunstâncias e descobrindo nossos inúmeros desencontros.
Eu quero, eu sinto, eu posso. Nós vamos viajar dentro desse arco que nos suga cada vez mais, vamos nos perder e nos encontrar ainda dentro dessa confusão. Eu te quis mesmo antes de te conhecer. Somos apenas abstratos. Nossas mãos dadas se entrelaçara de um jeito que eu sinto a tua unha na minha unha, a tua pele na minha, a tua força na minha força, nós vamos nos grudar e você vai gritar até que nenhum de nós possa mais ouvir.
"O teu desejo é sempre o meu desejo. Vem, me exorciza."

domingo, 18 de agosto de 2013

the imaginary thing

     Quando viu-se sentada em sua poltrona, certificou-se de reparar cada detalhe. Seu número era o 16. Levava apenas uma mala, mas não pôde carregá-la consigo. Ao se lado, uma janela. Pequena, de acabamento redondo e com cortinas brancas. Resolveu que só as abriria após levantarem voo, pra evitar  vertigem.
     Já no céu, pôs-se a pensar sobre suas escolha. As nuvens, paradas, se movimentavam e ela lembrava de cada tentativa falha. Amores impossíveis, incalculáveis, incompreendidos, insuficientes. Percebeu que tudo o que ela escolheu para cercá-la estava ali para tentar livrá-la de seu maior tormento: a solidão do dia-a-dia.
     Chegou ao aeroporto e logo, dentro de um táxi, começou a ensaiar um conjunto de mil palavras que nunca seriam ditas. Cabeça baixa, endereço em mãos. Era admirada pelo motorista - não tinha consciência da beleza de seus olhos grandes, e não tinha ideia de para onde estava indo. Apenas ia.
     À medida que a cidade se tornava mais maciça e cinza, imaginava-se parada à porta do 340 - seu destino, ali. Ao abrir a porta, encontrava uma silhueta recortada, tons de vermelho pelo apartamento, movimentos banais e tudo menos a solidão que ela esperava. Acordava do devaneio ao ouvir qualquer buzina e sentia-se aliviada por ainda estar no banco do carro. Talvez, pensava, tudo aquilo não passasse de mais uma tentativa que iria juntar-se à lista das mal sucedidas, mas ela não podia impedir seus braços e pernas e olhos e pele e coração de chegar até ali.
     Parada, olhando para o número 340, feito de madeira, procurou entender os ruídos e as cores. O silêncio era audível (e como ela amava ouvir o silêncio) e tudo parecia azul. Juntou os pés ao tapete e tocou, de leve, a campainha.
     De dentro do apartamento, ouviu sair um barulho de chaves. A porta foi aberta e revelou um conjunto de cachos, pele, dentes, altura, tecido e aconchego. Por alguns segundos, olhares estranhos foram trocados e ela percebeu, no olhar que recebia, uma sonolência invejável. Sorriu.
              "Que eu seria apenas uma parte da tua vida que ficaria para trás."
Pediu que ela entrasse. Pediu que ficasse. Pediu que o amasse.

sábado, 6 de julho de 2013

Só mais um, sobre você.

Nunca esperei que você entendesse, sabe? No fundo, espero, mas tento imaginar o contrário. É que você nunca vai ver como um problema o que me incomoda. Só se o seu problema for o meu incômodo, mas acho que não seja o caso.
Depois que entendi como, aos teus olhos, é tudo tão normal, me sinto errada de contrariar, mesmo sabendo que estou certa. Você também sabe que eu estou, mas não liga. Foi aí que percebi como, pra ti, isso não importa.
Como eu, só vai te parecer errado quando te fizer sofrer. Como eu. Se tua vida fosse um filme, isso ia ser teu processo de degradação. Porque, eu vejo um fim, eu consigo ver. O processo de degradação leva o personagem a um final dramático e eu queria viver, contigo, um daqueles velhos clichês.
É só isso, sabe? Quero te colocar numa redoma, dar água, comida e amor, até que chegue a nossa hora de partir. Nunca falei isso, mas, eu quero ser enterrada no mesmo caixão que tu. Seria o nosso último esconderijo e ninguém poderia nos separar, lá. Só os vermes... Mas aí seria natural e a gente não ia se importar.
E, por querer cuidar tanto, você acha que é por outro motivo.
Não quero tornar tudo um transtorno, mas não sei o que você é capaz de fazer a si próprio. Você pode ser seu próprio transtorno. O que eu quero é acordar todo dia e passar a mão pelo seus cabelos, pelo seu peito, pelo seu rosto. Sentir o teu cheiro de sabonete e dizer "bom dia". Tento tanto dizer o quanto espero da nossa vida, mas tenho sempre receio de que alguma pedra desvie tudo e que acabemos dando de cara com um horizonte em que só você vai ser alto o bastante pra alcançar, porque eu já não posso mais crescer e sempre vou ser pequena.
Eu te quero de volta, pra sempre.







terça-feira, 14 de maio de 2013

Como se fosse normal,
passou o dedo pela marca onde havia uma aliança.
Como se fosse normal,
encontrou a rosa, escura e desidratada, dentro de um livro.
Como se fosse normal,
o escondeu.
Como se fosse normal,
chegou mais tarde para pegar o ônibus.
Como se fosse normal,
voltou sozinha para casa.
Como se fosse normal,
fechou a porta do quarto e chorou.
Como se fosse normal,
músicas tristes a fizeram mal.
Como se fosse normal,
não usou todo o bônus para ligações e sms.
Como se fosse normal,
como se fosse.

terça-feira, 30 de abril de 2013

O tempo passou na janela e só Carolina não viu.

Eu queria dizer que a minha alma não é calma, que tudo tem uma sonoridade, uma agitação, 
mas ela não parecia querer ouvir. 

Fazia sol, mas chovia. As pessoas todas corriam e se abrigavam em qualquer lugar com alguns centímetros de proteção e eu continuava apenas caminhando. Podia ouvir sua voz porque minha memória sempre me traía. Via seu sorriso estampado em qualquer lugar, por mais que não conseguisse lembrar de nenhuma ocasião em que você sorriu.
Era bem difícil porque, por mais que tudo parecesse normal, só de saber que aquele barulho não passaria, eu lembrava de que tudo era uma festa, mas eu jamais seria convidado. Seria sempre o último da fila, do lado de fora do jardim, ouvindo os risos e tentando identificar cada sabor apenas pelo cheiro. 
E, então, lembrei de quando você prendeu o cabelo porque não queria molhar com a chuva. Eu expliquei que não ia chover, que a chuva, no nosso bairro, não vinha do lado da frente da casa, mas você insistiu e saiu sem me pedir para guardar as chaves. Fazia sol e não choveu. Pensei que eu deveria esperar você voltar e, então, fiquei lendo uma coisa qualquer. Deixei a porta aberta. Fiquei remoendo toda uma vida e escrevi poemas mentais para ler pra você enquanto acariciaria seu cabelo. Passaram-se alguns minutos e lembrei que não havia perguntado para onde você ia. 
Então começou a fazer frio e eu não consegui te encontrar em nenhuma esquina. E aí comecei a pensar em tudo o que não vi você viver e quis te explicar como o meu mundo girava, como eu ouvia tanta coisa sobre a vida e nunca quis provar o contrário, como eu imaginei você e te vi materializada na minha frente, como por um sonho, e achei que estivesse tudo resolvido. 
Vi uma foto sua na parede, aquela em que seus olhos estão fechados. Você havia dito que eu já não ouvia nada, que eu era tão desligado e não via as tardes passando enquanto você apenas dormia. E aquilo tudo parecia familiar.
Ensaiei um pedido de desculpas. Ensaiei seu sorriso se abrindo e dizendo que eu estava perdoado. Ensaiei viagens, filhos, flores, canções. Acordei 8 horas depois, estendido no sofá. Porta aberta, relógio no pulso. Tudo inteiro. Fui para o quarto, esperando encontrar os mesmos olhos da fotografia. Encontrei apenas os meus, grandes e castanhos, olhando para mim, de volta, como que em resposta à minha pergunta.
E, quando encontrei-me só, me encontrei e percebi. Percebi. Caminho só por essa chuva, que arde, desde então, procurando algo que silencie tudo aquilo que eu imagino e não posso ouvir.
E você não voltou, sabe? Você nunca voltou.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Férias (substantivo que resume período de abstinência de trabalho ou estudo em que as pessoas passam a fazer coisas que não faziam em seu período normal de vida e, usualmente, repensam sua essência).


Sou feita de súbitas necessidades. Tenho pensamentos que me corroem e me arrastam para longe do que passei a vida tentando estabelecer como "verdade absoluta" e, cada vez mais, pareço distante de algo que faça algum sentido completo. É nessa nuvem de "non sense" que pairo, em constate movimento, tentando me agarrar a algo que me coloque no chão, ou que me puxe para cima.
Gosto de imaginar diversas possibilidades de um cotidiano, como se eu pudesse ter alguma escolha, como se algo fosse ser diferente se eu olhasse 1 segundo antes pro lado direito na rua, ou se eu acordasse 30 minutos antes do despertador tocar.
Tenho uma parte do meu cérebro que insiste em achar que estou sendo, o tempo todo, observada por alguém que têm a minha atenção no momento. Passo a cantar, dançar, arrumar o cabelo, conversar em voz alta mesmo estando sozinha. Depois, fico pensando se todas as minhas ações foram forçadas, ou se foi só um reflexo daquilo que eu sempre fui.
Falando em "aquilo que eu sempre fui", não acho que eu tenha sido sempre a mesma pessoa.Eu costumava ser feliz sendo apenas a parte de algo que tentava se tornar alguma coisa, depois percebi que, ao contrário de muitas teorias na vida, eu poderia ser, sim, forte sozinha. Aí começou toda aquela típica busca por tudo que hoje chamo de meu.
Nunca voei. Tenho medo de qualquer barulho de avião, helicóptero e essas coisas de metal que voam. Não posso falar se tenho medo de voar, mas acho que isso seria apenas um complemento para medos já antigos. Se, quando eu tiver a oportunidade de voar, não houver medo nenhum, vou descobrir que, mais uma vez, existe uma contradição no meu modo de ver as coisas, no meu modo de viver as coisas. Aí começará mais um desafio e eu vou descobrir que tudo o que eu que já consegui responder foi apenas a justificativa pra vida me fazer outra pergunta que, dessa vez, valerá mais pontos.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Santa Maria

Quem sou eu? Quem sou eu para querer me colocar em meio de todo esse sofrimento? Não sou ninguém, cara, eu não sou ninguém. Sou uma pessoa que já pediu muitas vezes pra morrer, que já reclamou da vida, dos pais, dos amigos... E agora tô tentando colocar pra fora um pouco do transtorno que esse desastre trouxe à tona, na minha cabeça.

     Sempre acreditei em Deus. Venho de uma família católica e até alguns anos atrás eu frequentava igrejas toda semana. Hoje, depois de alguns, mesmo que poucos, anos vivendo sobre os meus próprios pensamentos, digo que tenho minha própria fé. Tenho algum conhecimento sobre o catolicismo e sobre o espiritismo; religiões que me foram apresentadas de maneira branda e educada. Não li a Bíblia por completo, li alguns artigos sobre o espiritismo, mas nunca participei de algum centro espírita. A questão é que eu construí minha fé, eu acredito no Deus que criei na minha cabeça, porque acredito que o que importa é a fé, não o Deus.
     Sou consciente da fome na África, da seca no meu estado, na minha região, das guerras e de tudo. Por trás de toda a minha fé, existe alguém que não para de gritar para Deus, perguntando por essas coisas acontecem. Hoje, passei o dia sentindo o sofrimento de quem perdeu amigos, parentes e afins em Santa Maria. Quando pediram mantimentos para ajudar pessoas do sertão do Ceará, que sofriam com a seca, doei mais de uma vez. Conheço o sofrimento por morar aqui e por conviver com as mesmas notícias há 17 anos. Seca é algo que ainda pode ser resolvido. Fico indignada quando um governador gasta milhões em inaugurações e festas sem sentido enquanto poderia mandar ajuda à todas as pessoas que clamavam por um copo de água, uma panela de feijão. Sei que poderia fazer muito mais pelo meu estado, pelas minhas pessoas. A desculpa que posso dar é: olhe só pra mim. Tenho 17 anos, não tenho permissão para sair de casa sem avisar. Ajudei a todos, como pude.
     A questão é que tudo isso em Santa Maria aconteceu por falha humana, e falha consciente. Os donos da boate sabiam que as pessoas ali correriam riscos e, mesmo assim, continuaram recebendo público. Não chamo isso de tragédia porque, pra mim, tragédia é "natural". Terremoto, tsunami, isso sim é tragédia. Começo, então, a voltar meu pensamento para Deus.
     O que acontece quando pessoas morrem assim? Segundo o espiritismo, quando acontecem mortes em massa, quem morreu não sofreu nada durante o acontecido. Nesse caso, quem tenta consolar quem sobreviveu, diz que os mortos não sofreram, porque morte por asfixia não dói. Aí eu penso: e quem sobreviveu? E quem viu o melhor amigo morrer nos seus braços? Por que esse tipo de coisa acontece? Todos sabem que o sofrimento é necessário, mas por que essas pessoas morreram assim? Por que todas essas famílias merecem estar sofrendo tanto? Não entendo, é aí que minha fé falha.
     Minha maior vontade é de esclarecer tudo. De chegar até Deus, ou quem quer que seja, e pedir uma justificativa pra tanto sofrimento no meu estado, aqui, no mundo.Queria, também, pedir perdão por perder minha fé sempre que algo ruim se aproxima, por ter pedido tantas vezes pra que ele me levasse daqui, por sempre reclamar de tudo, por não ser a pessoa boa que eu deveria ser, por pecar tanto. Sei que só vou conseguir isso no dia da minha morte, quem sabe, até depois. O pior é que eu sei que, se eu conseguir encontrar a verdade, não vou poder voltar pra acalmar quem chorou por mim e por tantos outros. Não vou poder voltar pra confirmar minhas dúvidas, ou pra contar a verdade.

Eu só queria uma explicação, uma justificativa pra tamanho sofrimento. Queria ser mais forte pra suportar tudo, pra acalmar quem precisa e pra me segurar com as minhas dúvidas.

Minhas sinceras condolências a quem sofre agora.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Tic-tac

     Sabe aquelas vezes e que uma pessoa passa pela sua vida e deixa um rastro tão forte que te deixa de boca aberta? Bom, eu tinha uma história assim pra contar, mas ainda não sei se consigo desenvolver aqui ou se quero que isso se torne público, porque ainda me atormenta. Passei a imaginar meus pensamentos como cobras em um ninho e acho que essa cobra, em particular, anda presa entre outras e ainda não consegue rastejar livremente, por isso não consigo escrever sobre ela.
     Tentei lidar com a vida sem ligar pra esse rastro, mas aí percebi que quando você tenta seguir em frente mas tudo que você faz te faz lembrar do que passou é porque teu passado ainda insiste em te atormentar, aí vai ficando cada vez mais difícil, até que você acha que vai explodir; mas não explode. Se você engolisse uma bomba e seus pedaços voassem por aí, seria fácil esquecer tudo, mas aí iriam atrás da causa da sua morte, investigariam a tua vida e iam descobrir tudo aquilo que você quis esconder. Nesse momento, deixaria de ser fácil. Então você continua com essa sensação de estar esgotado até que uma coisa pior acontece e te faz esquecer de tudo que você achou que ia de incomodar pra sempre.Nada de pior me aconteceu, então continuo assim, ouvindo o tic-tac da bomba imaginária que eu devo ter engolido de manhã junto com meu suco de laranja. 
     Tentei inventar um nome imaginário para criar uma história e contar como eu vejo quem me "rastreou", mas qualquer nome me parecia perceptível. Qualquer característica me parecia verdadeira demais e eu acabaria entregando quem tanto me pediu segredo. A verdade é que eu nunca guardei segredo, mas agora insisto em querer rever meus votos e tentar agradar àquela pessoa, gesto inútil.
     E eu, sempre uma contradição, tô aqui conseguindo dissertar um "qualquer coisa" e, provavelmente, alimentando dúvidas na cabeça de alguém. Mas não, a maioria das coisas que aconteceram foram somente na minha cabeça. 
     O pior é perceber que todo o meu tormento não consiste mais do que uma vida sonhada através de palavras que eu nem sequer pude tocar, eu nem sequer mereci aquelas palavras, porque não era eu. Que tudo o que ouviram de mim era afogado em medo e tudo o que eu relembro até hoje faz parte de um alguém que eu não sei se já fui, ou não sei se já quis ser. 
     Eu mudei, e acho que isso é o que mais me atormenta.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Café, bolinho, torradas.

    Helena saiu na varanda e lembrou de regar todas as suas plantas, fazia questão de manter um jardim impecável. "Minhas flores vão ser sempre a decoração mais bonita da minha casa." Pegou sua capa de chuva, só por precaução, porque parecia que ia chover.
    Chegando ao consultório, notou que sua agenda estava cheia de nomes riscados - desistências. O único nome intacto era de uma mulher chamada Olga. Ela a considerava sua cliente-amiga, pois tinha sido a primeira a contactar seus serviços. Psicóloga recém formada, Helena usou o dinheiro da herança deixada por seus pais para montar seu próprio consultório e achou-se sortuda quando conseguiu rápido sua primeira cliente. Acompanhava Olga desde os deus 37 anos. Agora, com 43, estava divorciada e toda quinzena procurava sua psicóloga para contar, de diferente maneiras, como sentia falta do marido e como odiava ter sido abandonada depois de alguns anos de casamento. Helena consolava a amiga-cliente do modo mais ético possível e logo após deixá-la na saída, virava-se para sua atendente e dizia: "Não morro de fome; sempre vou ter a Olga por aqui, ela não consegue viver sem terapia." A atendente ria e voltava-se para seus afazeres.
    Na volta para casa, parou em uma cafeteria e pediu o de sempre: um café com leite, um bolinho de laranja e algumas torradas. Gostava do cheiro daquele lugar e prometia a si mesma: "Nunca vou deixar de vir aqui." Enquanto comia seu bolinho, ouviu a chuva cair e notou no rosto do garçom uma tristeza incomum, mas voltou sua atenção para seu café e o barulho da chuva. 
    Quando a tempestade acabou, levantou-se, pagou a conta, vestiu sua capa de chuva "só para não pegar respingos" e seguiu o caminho de casa. A chegar, pensava apenas em tomar um banho e não reparou em nada, nem no jardim. No dia seguinte, acordou cedo e enquanto preparava algo para comer, viu pela janela algumas pessoas olharem feio para o seu jardim. Depois de comer, saiu e foi ver o que estava acontecendo lá fora. Viu seu jardim destruído. Muita água, lama, flores pisoteadas, arrancadas, ausência de flores. Helena então percebeu que a chuva havia levado seu jardim embora, que as flores que ela cultivava desde que havia comprado sua casa não estavam mais lá. Foi então que ela viu como era feia e sem graça o lugar aonde morava. Nunca tinha mandado pintar suas paredes, não trocou o portão, não decorou para o natal.
    Já em seu consultório, recebeu um telefonema. Era da família de Olga. Na noite passada foi encontrada morta no chão de uma avenida; jogou-se do nono andar de um prédio qualquer e morreu. Helena chorou em silêncio; nunca mais veria sua única amiga e última cliente. Seu bairro estava cheio de clínicas modernas e especializadas, a clientela em seu consultório só saía, não entrava há muito tempo. 
    Foi ao enterro no mesmo dia e resolveu passar pela mesma cafeteria ao anoitecer, mas a encontrou fechada. Um aviso na porta dizia que "Em breve, aqui, mais um empreendimento do grupo Montenegro". Helena lembrou da tristeza do garçom e pensou que ela deveria ter tido um maior contato com aquelas pessoas com quem lidava todos os dias. Nunca mais haveriam cafés, bolinhos ou torradas como aquelas.
    Chegando em casa, resolveu que iria dormir para tentar esquecer um pouco as coisas, tomou alguns remédios, trocou de roupa e foi deitar. Adormeceu lembrando da voz de Olga, em raros momentos sem chorar, que sempre dizia: "Nada é para sempre, Helena. A eternidade não existe." Sonhou com uma tarde em uma cafeteria, com sua ex cliente, café, bolinhos e torradas e muitas flores vivas e bonitas pelo chão. A assistente demitiu-se, a clínica fechou. Helena não acordou.