Chegando ao consultório, notou que sua agenda estava cheia de nomes riscados - desistências. O único nome intacto era de uma mulher chamada Olga. Ela a considerava sua cliente-amiga, pois tinha sido a primeira a contactar seus serviços. Psicóloga recém formada, Helena usou o dinheiro da herança deixada por seus pais para montar seu próprio consultório e achou-se sortuda quando conseguiu rápido sua primeira cliente. Acompanhava Olga desde os deus 37 anos. Agora, com 43, estava divorciada e toda quinzena procurava sua psicóloga para contar, de diferente maneiras, como sentia falta do marido e como odiava ter sido abandonada depois de alguns anos de casamento. Helena consolava a amiga-cliente do modo mais ético possível e logo após deixá-la na saída, virava-se para sua atendente e dizia: "Não morro de fome; sempre vou ter a Olga por aqui, ela não consegue viver sem terapia." A atendente ria e voltava-se para seus afazeres.
Na volta para casa, parou em uma cafeteria e pediu o de sempre: um café com leite, um bolinho de laranja e algumas torradas. Gostava do cheiro daquele lugar e prometia a si mesma: "Nunca vou deixar de vir aqui." Enquanto comia seu bolinho, ouviu a chuva cair e notou no rosto do garçom uma tristeza incomum, mas voltou sua atenção para seu café e o barulho da chuva.
Quando a tempestade acabou, levantou-se, pagou a conta, vestiu sua capa de chuva "só para não pegar respingos" e seguiu o caminho de casa. A chegar, pensava apenas em tomar um banho e não reparou em nada, nem no jardim. No dia seguinte, acordou cedo e enquanto preparava algo para comer, viu pela janela algumas pessoas olharem feio para o seu jardim. Depois de comer, saiu e foi ver o que estava acontecendo lá fora. Viu seu jardim destruído. Muita água, lama, flores pisoteadas, arrancadas, ausência de flores. Helena então percebeu que a chuva havia levado seu jardim embora, que as flores que ela cultivava desde que havia comprado sua casa não estavam mais lá. Foi então que ela viu como era feia e sem graça o lugar aonde morava. Nunca tinha mandado pintar suas paredes, não trocou o portão, não decorou para o natal.
Já em seu consultório, recebeu um telefonema. Era da família de Olga. Na noite passada foi encontrada morta no chão de uma avenida; jogou-se do nono andar de um prédio qualquer e morreu. Helena chorou em silêncio; nunca mais veria sua única amiga e última cliente. Seu bairro estava cheio de clínicas modernas e especializadas, a clientela em seu consultório só saía, não entrava há muito tempo.
Foi ao enterro no mesmo dia e resolveu passar pela mesma cafeteria ao anoitecer, mas a encontrou fechada. Um aviso na porta dizia que "Em breve, aqui, mais um empreendimento do grupo Montenegro". Helena lembrou da tristeza do garçom e pensou que ela deveria ter tido um maior contato com aquelas pessoas com quem lidava todos os dias. Nunca mais haveriam cafés, bolinhos ou torradas como aquelas.
Chegando em casa, resolveu que iria dormir para tentar esquecer um pouco as coisas, tomou alguns remédios, trocou de roupa e foi deitar. Adormeceu lembrando da voz de Olga, em raros momentos sem chorar, que sempre dizia: "Nada é para sempre, Helena. A eternidade não existe." Sonhou com uma tarde em uma cafeteria, com sua ex cliente, café, bolinhos e torradas e muitas flores vivas e bonitas pelo chão. A assistente demitiu-se, a clínica fechou. Helena não acordou.
Eu amo o jeito como você escreve seus textos. Pra variar, eu gostei desse também.
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