terça-feira, 24 de setembro de 2013

Elocubrações

     Não era um outro dia qualquer. Era uma terça-feira. Uma tediosa e normalmente absurda terça-feira. Não um domingo, uma terça. Nada me interessou mais do que sair andando e sentindo o sol bater em minha pele, então fui.Você não sabe onde moro. Aqui, o sol não agrada a ninguém. Ele queima, racha, machuca, destrói.
     Andei e fui diminuindo o passo até perceber que já estava à beira do abismo. Eu disse "abismo"? Quis dizer "asilo". Nem sempre soube do que se tratava aquele lugar. A princípio, não era nada mais do que um lugar com paredes amarelas e um muro baixo, onde eu sempre via pessoas solitárias. Num dia qualquer, já em casa, pesquisei sobre aquela rua e descobri que era um asilo. Saber disso me chocou. Quando percebi, passei a fazer mais silêncio ao passar por lá, como se meus passos fossem suficientes para perturbar a apatia do lugar.
     Pelas minhas andanças, percebi um velhinho sempre em pé, na mesma esquina. Cabelos brancos, um pouco careca, barba sempre por fazer, calção de seda, chinelos e um boné. Não lembro de um dia em que ele não estava lá. Hoje, ele não estava. Pela primeira vez, em algum tempo, não passei por ele. Se passei, estava distraída, mas duvido que esse seja o caso. Ele não aproveitou o mesmo sol que eu. Apesar de saber que sua pele não precisava sofrer mais do que já havia sofrido. Me pergunto se eu deveria voltar lá e esperá-lo. Perguntar a alguém se ele está bem. Pensando assim, acho que nunca esteve. Acontece que eu não vou voltar lá. Não hoje, e talvez amanhã isso perca completamente a importância, porque amanhã não será terça-feira.
     Alguns passos depois, à porta do asilo, vi uma velhinha sentada. Ela olhava para mim, olhava como quem observava, e eu apenas passei por ela. Ela estava sentada de frente para a avenida, à sombra de uma árvore, daquelas que deixam cair algum tipo de fruto que parece uma concha fechada. Ah, o nome é Amendoeira. (Tenho certeza que você já viu algumas por aí.) Logo após passar pela velhinha, tive vontade de voltar lá. Ela parecia tão triste quanto eu. Um pouco menos amedrontada, mas triste.Talvez, tudo o que ela precisasse era conversar. Talvez, tudo o que eu precisasse era ouvi-la, mas não voltei, apenas segui.
     Quando atravessei a rua, acabei pisando em uma poça. Água. No chão. Você não sabe onde eu moro. Isso deveria ser crime. Acontece que existem dezenas de pessoas aqui e ninguém parece se importar.
     Lembrei que prometi que não sairia de lá, era importante. Só que, depois de pensar tudo isso, não vou mais voltar.

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