quinta-feira, 10 de abril de 2014

Realmente há certo gosto.

Drummond dizia que há certo gosto em pensar sozinho. Depois de perceber que sem mim eu não seria nada, comecei a querer aproveitar mais a minha companhia. Comecei a ler diferentes tipos de livros e a me redescobrir em cada esquina. Poxa, como eu sempre fui tão dependente dos outros quando sempre me tive tão perto... Tenho os melhores monólogos.

Éramos eu, o trocador e o motorista. Apenas isso me interessava. Depois percebi que havia pessoas lá dentro. Dezenas delas. Mas, pra mim, não eram nada de importante, sabe? Não era como se alguma delas fosse mudar algo em mim ou no mundo. Eram só aquelas pessoas que pegam o mesmo ônibus que eu e. 
Eu olhava pela janela e pensava em como aquela hora de viagem ocupava meu tempo de um jeito entorpecedor, quando uma moça à minha frente respirou. Um suspiro profundo que a fez subir os ombros. E aí, enquanto uns têm suas epifanias vendo uma barata dentro de um guarda roupas velho, tive a minha olhando ombros nus que se mexiam por causa da respiração pesada. 
Era vida ali. E tudo o que me cercava estava vivo, respirava, sofria. Cada um ali tinha um motivo para estar ali e, depois, cada pedaço de vida daquele lugar deixaria de existir. Toda aquela carne que agora se mexia pelos reflexos fisiológicos e afins ia morrer e apodrecer. Ia ser comida por vermes e pelo tempo. Eu continuava olhando pra tal moça e ela fez um movimento rápido demais pros meus devaneios e o susto foi tão grande que prendi a respiração. 
Me pergunto se eles tinham consciência de que seriam invadidos por vermes. 
O que mais me surpreendeu foi tomar consciência de que existe vida fora de mim. Que essas pessoas que rondam o mundo e nascem e morrem desconhecidas também têm a mesma capacidade de viver que eu tenho. Esperei que elas não conseguissem imaginar que eu pensava no sangue que corria ali dentro do ônibus. Se todas morressem ao mesmo tempo, seria bastante sangue. 
Chegou minha parada e meus pensamentos se voltaram pra como eu achava que um dia morreria atravessando aquela avenida. Aí o sangue morto seria somente o meu.


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