Quem sou eu? Quem sou eu para querer me colocar em meio de todo esse sofrimento? Não sou ninguém, cara, eu não sou ninguém. Sou uma pessoa que já pediu muitas vezes pra morrer, que já reclamou da vida, dos pais, dos amigos... E agora tô tentando colocar pra fora um pouco do transtorno que esse desastre trouxe à tona, na minha cabeça.
Sempre acreditei em Deus. Venho de uma família católica e até alguns anos atrás eu frequentava igrejas toda semana. Hoje, depois de alguns, mesmo que poucos, anos vivendo sobre os meus próprios pensamentos, digo que tenho minha própria fé. Tenho algum conhecimento sobre o catolicismo e sobre o espiritismo; religiões que me foram apresentadas de maneira branda e educada. Não li a Bíblia por completo, li alguns artigos sobre o espiritismo, mas nunca participei de algum centro espírita. A questão é que eu construí minha fé, eu acredito no Deus que criei na minha cabeça, porque acredito que o que importa é a fé, não o Deus.
Sou consciente da fome na África, da seca no meu estado, na minha região, das guerras e de tudo. Por trás de toda a minha fé, existe alguém que não para de gritar para Deus, perguntando por essas coisas acontecem. Hoje, passei o dia sentindo o sofrimento de quem perdeu amigos, parentes e afins em Santa Maria. Quando pediram mantimentos para ajudar pessoas do sertão do Ceará, que sofriam com a seca, doei mais de uma vez. Conheço o sofrimento por morar aqui e por conviver com as mesmas notícias há 17 anos. Seca é algo que ainda pode ser resolvido. Fico indignada quando um governador gasta milhões em inaugurações e festas sem sentido enquanto poderia mandar ajuda à todas as pessoas que clamavam por um copo de água, uma panela de feijão. Sei que poderia fazer muito mais pelo meu estado, pelas minhas pessoas. A desculpa que posso dar é: olhe só pra mim. Tenho 17 anos, não tenho permissão para sair de casa sem avisar. Ajudei a todos, como pude.
A questão é que tudo isso em Santa Maria aconteceu por falha humana, e falha consciente. Os donos da boate sabiam que as pessoas ali correriam riscos e, mesmo assim, continuaram recebendo público. Não chamo isso de tragédia porque, pra mim, tragédia é "natural". Terremoto, tsunami, isso sim é tragédia. Começo, então, a voltar meu pensamento para Deus.
O que acontece quando pessoas morrem assim? Segundo o espiritismo, quando acontecem mortes em massa, quem morreu não sofreu nada durante o acontecido. Nesse caso, quem tenta consolar quem sobreviveu, diz que os mortos não sofreram, porque morte por asfixia não dói. Aí eu penso: e quem sobreviveu? E quem viu o melhor amigo morrer nos seus braços? Por que esse tipo de coisa acontece? Todos sabem que o sofrimento é necessário, mas por que essas pessoas morreram assim? Por que todas essas famílias merecem estar sofrendo tanto? Não entendo, é aí que minha fé falha.
Minha maior vontade é de esclarecer tudo. De chegar até Deus, ou quem quer que seja, e pedir uma justificativa pra tanto sofrimento no meu estado, aqui, no mundo.Queria, também, pedir perdão por perder minha fé sempre que algo ruim se aproxima, por ter pedido tantas vezes pra que ele me levasse daqui, por sempre reclamar de tudo, por não ser a pessoa boa que eu deveria ser, por pecar tanto. Sei que só vou conseguir isso no dia da minha morte, quem sabe, até depois. O pior é que eu sei que, se eu conseguir encontrar a verdade, não vou poder voltar pra acalmar quem chorou por mim e por tantos outros. Não vou poder voltar pra confirmar minhas dúvidas, ou pra contar a verdade.
Eu só queria uma explicação, uma justificativa pra tamanho sofrimento. Queria ser mais forte pra suportar tudo, pra acalmar quem precisa e pra me segurar com as minhas dúvidas.
Minhas sinceras condolências a quem sofre agora.
Linda e fraternal a sua maneira de sentir e descrever sua própria dor pela dor alheia...Só um conselho vai aqui de quem poderá talvez ser tua avó; Quando doar algo fica em paz ,pois diz a palavra de Deus ; Dá com a mão direita para que a esquerda não veja. É somente um conselho espiritual pois sinto em você uma pessoa de Deus.Que ele te conserve assim preocupada com a dor alheia. Gosteri muito do seu blog.
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