quinta-feira, 19 de julho de 2012

Für Elise (para ler ao som de)

- Ouvidoria pública, bom dia.
- Bom dia...
- Diga, senhor.
- Eu... Eu não sei por onde começar.
- Um minuto, senhor.
Ela descruzou as pernas.
Ele pode ouvir o som da cadeira balançando.
Ela descansou o telefone em sua mesa e examinou as unhas. Ao encaixar novamente o aparelho ao redor da cabeça, pôde ouvir a respiração dele do outro lado da linha.
- Alô, você consegue me ouvir? Eu não aguento mais. Tudo está acontecendo ao mesmo tempo mas ninguém consegue ver. Você não percebe que tudo está desabando? Que eu e você somos sustentados por algo que nem parece ser mais sólido de tão...
- Desculpe, mas, com quem estou falando?
- Não, você não entende.
- Quem está falando?
- Me ouve, me ouve. Tá tudo desabando. Ninguém mais pode sair por aí normalmente. Todas as pessoas vivem como se isso daqui fosse sólido mas, mas... Por que ninguém percebeu ainda? Não há nada sólido nesse lugar! Não existe segurança e todos estão tranquilos e as crianças correm por aí e... As crianças. Você não percebe que elas não têm culpa de nada, nem percebem nada, nem esperam nada?
- Senhor, eu...
- Você! Me escute! Por favor... Ando pelas avenidas e vejo carros, prédios, pessoas dentro de bolhas que passam sobre morros e caem em buracos, mas nenhum ruído é ouvido, nenhum tremor é sentido.
- Qual é o seu nome?
- Eu... Eu preciso de ajuda. Preciso de ajuda para conseguir reerguer tudo antes que todos caiam. Não quero...(pausa)
- Alô?
- ... Não quero ver tudo destruído. (grande pausa)
- Senhor?
- Estou aqui.
- Alô?
- Alô.
- Ouvidoria pública, bom dia.
- Bom dia.
- Meu nome é Karina, o que deseja?
- Eu... Eu não sei ao certo.
- Não há problema. Estou transferindo sua ligação para o ramal de "Dúvidas frequentes". Aguarde um minuto, por favor.
- O-K.
(longa pausa)
- (mensagem automática) Dúvidas frequentes. Para "Eventos", tecle 1. Para "Obras" tecle 2. Para "Horários de funcionamento" tecle 3. Para "Ramais", tecle 4. Para voltar ao "Menu Principal", tecle 0.
- (som do teclado apertando a tecla 0)
- Ouvidoria pública, Karina, bom dia.
- Bom dia, Karina. Você ouviu algo do que eu disse?
- Desculpe, com quem eu falo?
- Sou eu. Você... Você prestaria atenção no que eu falo se eu a convidasse para sair?
- Desculpe senhor, não tenho permissão para tratar de tais assuntos.
- Quem mantém o seu emprego?
- Senhor, não tenho permissão para dar nenhum tipo de informação pessoal referente a nenhum funcionário.
- Desculpe.
- Gostaria de retornar e escolher uma outra opção?
- Eu não tenho opções, Karina. Você não vê?
- Senhor, preciso desligar e atender outras ligações.
- Tudo bem.
(...)
- Ouvidoria pública, bom dia.
- Bom dia, Karina. Você ouviu algo do que eu disse?
- Desculpe, com quem eu falo?
- Sou eu. Você... Qual o seu problema?
- Desculpe senhor, o que deseja?
- ...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

agridoce

Aceitaria tomar um comprimido que, mesmo que me deixasse com dor de estômago, tornasse meus relacionamentos mais fáceis e leves. Por mais perfeito que seja, ou esteja, ou pareça, sempre existe um grande problema que me faz chorar e ter dores no coração. A medicina deveria criar um ramo que cuidasse disso, que tratasse o lado emocional do coração. Um “amorologista”. Mas com outro nome, porque esse não parece alguém que cuida de quem sofre de/por amor. Eu aceito sofrer deste jeito ou até mais, se algo muito bom estiver me esperando daqui a 5, 10 anos. Mas se não houver nada, por favor Deus, me dê um sinal. Se meu destino não for ser feliz amando, farei caridade até o fim dos meus dias (esse é um jeito bonito, ao meu ver, de viver sem um amor só meu). No fundo, no fundo, espero que este sinal nunca venha. Tenho muitos planos em relação a este amor que vivo agora, passaria minha vida sentindo seu cheiro e me alimentando de suas alegrias. Apenas peço mais simplicidade nas cobranças. Menos problemas, uma pitada a menos de brigas e o dobro de felicidade. Deus, eu quero um amor mais fácil de viver.

domingo, 1 de julho de 2012

Breve

Você disse "vem amanhã, garota". Esperei muitos minutos até esse amanhã chegar e, quando chegou, foi o mais breve que poderia ser.
Pensei em cada detalhe após ouvir a tua voz, com aquele tom de normalidade e o sotaque que eu gosto tanto. Troquei a cor do batom, soltei o cabelo e cheguei cedo, pra ver se você iria fazer aquela mesma cara de espanto ao me ver lá, sozinha, esperando algo que também me surpreendesse.
Corri e fui o mais rápido que pude. Cheguei e fiquei surpresa ao ver você lá, sentado ao lado da janela, tomando café. No princípio, quase não notou minha presença. Depois, talvez pelo barulho que sempre faço quando arrumo minhas coisas, você levantou os olhos e me cumprimentou. Sentei e fiquei olhando seus papéis. Ao perceber que era realmente eu, você tomou o último gole e tentou puxar algum assunto. Eu então tentei prolongar o impossível, mas você simplesmente deu por acabado e tive de ir embora. Você não notou a troca do batom, nem meu cabelo solto. Afinal, por que haveria de notar?
Se meus olhos não estivessem ofuscados pelos meus pensamentos, eu teria notado que você me tratou como qualquer outra ao dizer que estava me esperando no amanhã. Até porque, eu sou como qualquer outra. O perfume novo, ou o batom emprestado não me fazem outra pessoa.
Eu penso em escrever um e-mail a você, contando tudo que tenho pensado sobre como te acho bonito e como gosto de ver o jeito como você escreve. Mas lembro que toda a minha gramática se torna tola ao ter qualquer contato contigo e como me sinto boba ao achar que seu tempo guardaria um segundo para os meus desejos estranhos.
Quando te observo de longe, vejo quem te cerca. Sempre o mesmo tipo de pessoas. Sempre as mesmas mulheres, com somente os nomes diferentes. Como todas elas sorriem e como são tão alegres o tempo todo. Eu observo e penso que você precisa de alguém que acorde ao teu lado e coloque meias nos teus pés quando estiver frio. Alguém que não reclame dos seus muitos copos de café diários, que goste da sua barba mal feita e que cuide de você. Mas nenhuma das que te cercam querem mais do que uma noite, uma semana, talvez.
Não digo que eu faria tudo isso, você sabe, não tenho muito jeito com tudo isso, mas eu colocaria você no colo, faria carinho na sua cabeça e diria que tudo aquilo já passou, que você não precisa mais se preocupar. Eu iria até o seu apartamento numa "terça-feira cinza", brincaria com o seu cachorro e esperaria até você não ter mais nenhum trabalho a fazer só para poder ficar olhando teus olhos cansados, só para ficar olhando para o teu cansaço eterno.
Depois isso tudo, pergunto a mim mesma se isso é real. Se eu crio esse seu lado dentro de mim e fantasio enquanto você bebe e nem imagina que eu me iludo sozinha. Me pergunto se você reconheceria seus olhos e suas mãos dentro dessas palavras. Se você viria até mim. Se.