terça-feira, 6 de novembro de 2012

Afonso e o labirinto

      Tonto, tateou à procura dos óculos. Olhou as horas, desligou o despertador. Era o dia da terceira entrevista da semana. Levantou-se, fez um chá, regou o pé de tomate enquanto observava a poeira da cidade. Um lugar velho, com cheiro de fumaça e alguns prédios novos e exuberantes. Tomou o chá, depois um banho. Arrumou o cabelo e fez a barba. Ao abrir o guarda-roupas procurou pela camisa de botões nova e, ao vesti-la, percebeu que ela estava bem mais gasta do que nova.
      Pegou um ônibus vago, pura sorte. Chegou ao escritório alguns minutos antes da hora marcada. Entrou em uma sala grande, com várias cadeiras acolchoadas e muitos rostos; nenhum conhecido. O relógio apontou 8:30 da manhã e uma mulher de meia idade com quadris largos abriu a porta da sala e adentrou-a, dando um sonoro "bom dia", logo em seguida.
      Começou a ouvir histórias de cursos incompletos, uma gravidez precoce, alguns desempregados por falência e um número relativamente grande de inexperientes. Afonso estava começando a pensar em como diria, na frente de todos, que havia largado seus pais em uma pequena cidade para procurar por uma garota sem nome na capital. (O máximo que conseguira encontrar: um apartamento antigo e um pé de tomate na varanda).
      Todos os seus documentos estavam organizados em uma pequena pasta marrom que jazia em seu colo. O frio da sala deixava suas mãos rígidas e ele começou a se perguntar se conseguiria desenrolar os dois barbantes que prendiam as duas abas da pasta.
      A qualificação exigida para aquele cargo era mínima e, talvez, seu diploma da faculdade não fosse útil ali, mas isso não o preocupava; precisava apenas de um motivo para ficar. Em sua cidade, seria apenas mais uma cabeça, apenas mais um par de pernas compridas e apenas mais uma pessoa de cabelos castanhos, comum como a paisagem que cerca a todos naquele lugar.
      A empresa estabeleceu um prazo de sete dias para convocar os aprovados. Afonso estava em seu apartamento, ouvindo uma música que dizia "se tu soubesse como machuca, não amaria mais ninguém", quando o telefone tocou. Ele agora era um homem empregado e deveria comparecer à sede da empresa às 8:00 da manhã da segunda. Era uma sexta e faziam 24 graus. "Se tu soubesse, não contaria pra ninguém."
      Ele lembrava bem da garota. Olhos grandes, uma voz suave, cabelos ondulados. Ela entrou em um ônibus qualquer e ele partiu à sua procura. "Mas você nem sabe o nome dela!". Era verdade. Agora, pelo menos, poderia viver sozinho e tentar ter uma vida agitada na capital. (A garota nunca chegou à cidade, mas ele nunca soube disso).
      Segunda-feira. Afonso. Terno. Começaria a trabalhar como assistente em uma média empresa, localizada no norte da cidade. Distribuiu "bons dias" e recebeu alguns de volta. Tomou um café e levou outro para seu chefe. Começou a trabalhar. Foi para casa às 6. Tomou um banho, jantou uma sopa, regou o pé de tomate, foi dormir. Terça, quarta, quinta, sexta. Bom dia, café, chefe, trabalho. Casa, banho, sopa, regar, dormir. Setembro, outubro, novembro. Bom dia, café, bajulação, trabalho. Apartamento, banheiro, jantar, pé de tomate, cama.
      Livrou-se do marasmo de um lugar quieto, de pessoas e paisagens iguais. Perdeu-se em um labirinto cinza de M.D.F., onde todos bebem a mesma bebida, aspiram a mesma fumaça, vestem a mesma marca barata de terno e distribuem sempre o mesmo "bom dia".

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