Faz muito tempo que eu moro longe e, desde que comecei a sair sozinha, sempre ia e voltava sozinha. Não tinha carona ou alguém que morasse perto, sempre fui só eu. Durante o período em que eu passava sozinha, me habituei a prestar atenção nas pessoas. Afinal, sozinha, realmente, eu não estava. Eu via pessoas familiares numa multidão de desconhecidos, e logo depois elas eram desconhecidas de novo.
Daí que, dessa vez, me ocorreu algo diferente. Não fui a observadora, fui observada. Desci do ônibus e comecei a caminhar. Passei por uns policiais, alguns gatos dormindo e comecei a olhar as pedras avermelhadas do chão. Não sei por quanto tempo andei até perceber, mas tinha uma senhora atrás de mim. Ela andava sorrindo e me alcançou quando atravessei a rua. Ela passou para a minha frente e disse:
- Ele tava te paquerando
E eu respondi:
- Quem?
Ela continuou caminhando rápido e parecia um pouco perdida.
- O policial. Ele andou atrás de você e ficou te olhando muito, ficou todo sem graça quando me viu, porque eu percebi.
Eu tinha visto o policial, mas não tinha percebido nada daquilo.
- Foi? Não percebi...
- Foi sim, ele olhou muito pra você
- Ah...
Eu queria muito chegar em casa e tentei parecer realmente apressada, mas aí ela falou de novo:
- Onde a gente pega a topique pra Pernambuco?
- Oi?
- Onde a gente pega a topique pra Pernambuco?
- Pernambuco?
- É...
Não tinha ninguém perto. Comecei a ficar assustada.
- Desculpa, eu não sei...
"Essa mulher quer ir pra Pernambuco daqui? Ela sabe onde a gente tá?" Pensei.
Já ia responder que não sabia do que ela tava falando, quando ela falou:
- É que eu sei que aqui a gente pega uma topique, que tem uma topique que anda aqui.
Estávamos dentro do Campus do Pici. Lá, existe ônibus e topiques que levam os alunos da entrada ao centro do campus. Achei que era disso que ela tava falando. Então disse:
- Olha, ali do outro lado tem uma parada, lá passam as topiques.
- Mas é que eu sei que a gente pega uma topique e para no meio do caminho pra pegar outra, que vai pra Pernambuco.
- Olha, eu realmente não sei disso... Sei que ali passam as topiques, mas como não estudo aqui, não sei informar.
- Ta bem.
Ela foi embora. Era uma senhora de mais de 50 anos, eu acho. Usava um vestido vermelho um pouco velho, uma bolsa e não tinha todos os dentes. Aí foi a hora da minha cabeça começar a funcionar. Na região Norte, existe uma lenda que conta sobre uma jovem que, no dia do seu aniversário, pega um táxi no cemitério e pede para que o taxista a leve pra casa. Quando chegam à casa dela, descobrem que ela está morta, e que quem entrou no táxi era um fantasma.
Eu não era nenhuma taxista, mas uma mulher me parou num lugar onde não tinha ninguém perto e perguntou onde ela deveria pegar uma topique para ir para um estado que fica a uns 775 km daqui. Só por precaução, fui embora sem olhar pra trás.