terça-feira, 30 de abril de 2013

O tempo passou na janela e só Carolina não viu.

Eu queria dizer que a minha alma não é calma, que tudo tem uma sonoridade, uma agitação, 
mas ela não parecia querer ouvir. 

Fazia sol, mas chovia. As pessoas todas corriam e se abrigavam em qualquer lugar com alguns centímetros de proteção e eu continuava apenas caminhando. Podia ouvir sua voz porque minha memória sempre me traía. Via seu sorriso estampado em qualquer lugar, por mais que não conseguisse lembrar de nenhuma ocasião em que você sorriu.
Era bem difícil porque, por mais que tudo parecesse normal, só de saber que aquele barulho não passaria, eu lembrava de que tudo era uma festa, mas eu jamais seria convidado. Seria sempre o último da fila, do lado de fora do jardim, ouvindo os risos e tentando identificar cada sabor apenas pelo cheiro. 
E, então, lembrei de quando você prendeu o cabelo porque não queria molhar com a chuva. Eu expliquei que não ia chover, que a chuva, no nosso bairro, não vinha do lado da frente da casa, mas você insistiu e saiu sem me pedir para guardar as chaves. Fazia sol e não choveu. Pensei que eu deveria esperar você voltar e, então, fiquei lendo uma coisa qualquer. Deixei a porta aberta. Fiquei remoendo toda uma vida e escrevi poemas mentais para ler pra você enquanto acariciaria seu cabelo. Passaram-se alguns minutos e lembrei que não havia perguntado para onde você ia. 
Então começou a fazer frio e eu não consegui te encontrar em nenhuma esquina. E aí comecei a pensar em tudo o que não vi você viver e quis te explicar como o meu mundo girava, como eu ouvia tanta coisa sobre a vida e nunca quis provar o contrário, como eu imaginei você e te vi materializada na minha frente, como por um sonho, e achei que estivesse tudo resolvido. 
Vi uma foto sua na parede, aquela em que seus olhos estão fechados. Você havia dito que eu já não ouvia nada, que eu era tão desligado e não via as tardes passando enquanto você apenas dormia. E aquilo tudo parecia familiar.
Ensaiei um pedido de desculpas. Ensaiei seu sorriso se abrindo e dizendo que eu estava perdoado. Ensaiei viagens, filhos, flores, canções. Acordei 8 horas depois, estendido no sofá. Porta aberta, relógio no pulso. Tudo inteiro. Fui para o quarto, esperando encontrar os mesmos olhos da fotografia. Encontrei apenas os meus, grandes e castanhos, olhando para mim, de volta, como que em resposta à minha pergunta.
E, quando encontrei-me só, me encontrei e percebi. Percebi. Caminho só por essa chuva, que arde, desde então, procurando algo que silencie tudo aquilo que eu imagino e não posso ouvir.
E você não voltou, sabe? Você nunca voltou.